sexta-feira, 29 de julho de 2011

Cotidiano

Passamos os dias de nossas vidas em meio a constantes idas e vindas, portas se abrem e se fecham continuamente sem que percebamos ao menos quem acaba de entrar. Todos os dias cruzamos com inumeras pessoas e o que faz surgir os relacionamentos é o número de vezes que nos encontramos.

Estando sempre ao lado, detalhes passam despercebidos, sorrisos tornam-se descartáveis e as palavras já não mais produzem frutos. As brigas pelo canal da TV, as discussões sobre o toque do celular, a hora certa de chegar ao trabalho e qual vocabulário usar, tudo isso passa despercebido, de repente, sem anunciar.

A vida trilhada em minutos passa a perder a cor e a casa se torna cinza, o escritório ainda mais frio, os relacionamentos perdem a elasticidade de cada momento e passam a ser engessadas como pernas quebradas que precisam de um reparo.

Por mais que não se deseje, eles estão lá. Os escuros cotidianos, os momentos em que não vemos sequer quem está ao nosso lado. Nesses momentos em que a vida não vê, ela se movimenta apenas em sentir.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Abajur

Há cinco dias me perdi em mim. Correndo esbarrei no muro que eu mesmo construi tentando ser eu tentando estar no fim, no fim de uma busca, de uma constante fulga. O medo me tomou por inteiro e já não via mais a luz.

Sentia que as minhas coisinhas estavam se resumindo e tive vontade de colocá-las em uma garrafa e tomá-las todas para que não deixassem de ser minhas, entrando em um maravilhoso porre de sentimentos. Queria colocar as minhas lembranças erroladas em uma seda e fumá-las como o gosto de um ultimo cigarro fumado após o café.

Ainda correndo perdido dentro de um labirinto da alma, sabia que precisava derrubar tudo e construir novamente, como aquele que vindo à superficie respira desesperado e enche os pulmões de ar. Precisava de um ar novo, vivo, pulsante, que espantasse de mim a morte fulminante.

Na luz amarela do abajur sem cor, vi que a vida voltava a me encantar com suas fulgazes alegrias, mas dessa vez, somente dessa vez, não me deixei levar, dessa vez sabia o que queria. Queria me reconstruir com tijolos que jamais se desgastam, daí então o abajur tomou cor e forma, e passou a ser mais lindo, assim como a vida que sigo construindo, sem muros, sem proteção, pois agora já não tenho medo, quero viver, mesmo que seja só por hoje.

domingo, 19 de junho de 2011

Maria

Quando a vida nos passa uma boa rasteira e, repentinamente, já não temos mais onde nos apoiar. Quando o que sempre tememos nos acontece. Quando a teoria perde sua valentia, perde sua serventia, e nos vemos mergulhados na prática que não corresponde com o que, até então, vivemos. É chegada a hora de redimensionar.

Na alegria, o amor maior se torna pequeno, mas é na dor que aquele amor brota como uma bela flor que foi semeada durante muito tempo. O tempo se transforma no instante que se está, não resta o depois, não pode ficar. O sobrenatural transborda sem controle e chega onde não se pode imaginar.

Estando longe, mas muito perto, te vejo. Aquela dor, que não é mais uma dor, nos aproxima e me faz viver cada segundo como se fosse o meu ultimo, o seu ultimo. A alegria que parte direcionada da sua voz, chega em mim como o afago que, impotente diante da sua grandeza, não posso te dar.

Nada se vive só. Tendo uma Bandeira ao lado, a vida não nos permite abandonar, é preciso viver, viver e transformar. A teoria se faz prática como nunca vi. Dor em amor, amor em dor, sem drama a vida se torna leve e linda... Não tenho o que falar, apenas agradecer.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Aquele outro lugar, o lugar de minha infância, já não me dá medo, já não me traz insegurança. Hoje sou forte, leve como o vento que passeia e sopra levando as folhas de um cajueiro.

Aqueles sabores de outrora voltaram a ser ricos de beleza e com toda sutileza preenchem a minha vida de alegria. Aqui me criei, a vida me fez, e sou o que sou, bom ou ruim, devo a tudo o que aprendi e vivi nas ruas dessa cidade.

Guardo apenas saudade. Amores, dores e sabores, maravilhosos sabores. Eu e tu formamos, agora, uma clara e límpida sinfonia, bem parecida com aquela que o vento faz nas tuas folhas, nas folhas de Aracaju.

domingo, 22 de maio de 2011

Maio

Mãe, para mim é uma palavra forte! Tu es forte! Nos teus olhos encontro a minha paz, nos teus beijos um porto seguro! Mãe, tu es também uma fortaleza! Nas tuas lágrimas encontrei o amor pelo teu Esposo, um amor que grita: "Meu Deus, porque me abandonaste?" mas que ao mesmo tempo se lança no abismo e diz: "Nas Tuas mãos entrego meu espírito".

No teu sorriso encontro a força de viver, nos teus braços uma tranquilidade sem fim, nas tuas palavras a sabedoria, nos teus erros um recomeço, na tua alegria a minha alegria.

Na palavra filho, que só escuto da sua boca, reconheço a minha vocação.

Mãe, no teu coração sei que estou e no meu tu estás, es parte de mim. Mãe é dar a vida, é ser vida e na tua vida encontro a minha. Por ti darei a vida em cada momento.

(texto escrito em 2004, ano que morei na Argentina)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Esconderijos do tempo

O tempo se esconde nos cantos da parede daquela casa vazia, se esconde embaixo do tapete de uma velha sala de estar, se esconde nos cabelos que vejo caídos no chão do quarto.

O tempo não perdoa, não sorri, não cala, não fala, mas ama.

Não se transfigura nas engrenagens de um relógio que, enquanto houver pilha, não para de funcionar, ele se traduz nas rugas do meu rosto, nas lagrimas dos meus olhos que enxugo com as folhas daquela antiga árvore do quintal.

Assim como as curvas, as entranhas perdem seu vigor. O tempo não para, não muda, não canta, mas vive.

Vive nas longas estradas que percorri e se esvai como pó solto no vento. Para quem acha que o tempo cura, resta apenas a espera, mas quem faz o tempo é quem vive o momento.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Alma

Somos almas que vagam pelo mundo, errantes, quem sabe até amantes. Em esquinas da vida nos cruzamos e olhando nos olhos de quem está na frente não nos resta outra imagem.

Há quem diga que os olhos são as janelas da alma, mas quando olho nos olhos de quem vê, consigo ver somente a mim. Será que os olhos de quem vê são as janelas da alma de quem está sendo visto? Será, então, que quem está sendo visto está em quem vê?

Não somos almas produzidas inteiras, de apenas uma matéria, somos a mistura de várias almas, carregamos pequenos pedaços de almas, de histórias, de passados. Dentro da roupa que vestimos há sim um conteúdo.

Caminhando sem porto é fácil ter a sensação de estar morto. Sorte tem aquela alma que desperta quando o sol resolve deixar sua morada e preenche a casa de manhã, afastando toda a penúria. Quando os raios invadem a alma e o perfume do café que acaba de ser feito vem buscá-la, ai é que ela é feliz.

As almas que vagam encontrarão sempre um abrigo, sempre um mastro.

No entanto, há dias em que a luz é pouca, o sol não desperta. A alma então perde sua cor e se entrega a dor. Nada mais resta. Sem o sol a alma dorme.